terça-feira, 25 de janeiro de 2011

DESIGN: UM NOVO MEIO REPRODUTIVO DA ARTE E PROPAGADOR DE COMPORTAMENTOS

"Desenhei luminárias para as mulheres e trabalhei o tema do espelho. Trata-se de um objeto muito interessante, pois as mulheres costumam se mirar constantemente. Elas precisam se olhar antes de sair, quando retornam, quando vão se deitar... E ficam felizes quando a luz é rosada. Essa é a razão pela qual desenhei uma luminária cujo nome é Ultrafragola, um grande espelho rodeado por ondulações que lembram os cabelos da mulher e que proporcionam uma luz rosada. (Ettore Sottsass, FAAP, Iluminar; 2004; P.55)."


A aura única e individualizada da arte se desfez com os meios técnico de reprodutibilidade. A fotografia e o cinema são os responsáveis por este acontecimento. Walter Benjamin dizia que a arte perderia seu caráter aristocrático e religioso a partir do momento que fosse reproduzida em série, saindo das mãos de poucos, como objeto de culto, ela caminharia para um impacto social infinitamente maior. É o que aconteceu, mas há um novo meio de reprodutibilidade, independente, multidisciplinar e ligado profundamente aos meios de consumo em massa: o design.

Quais são as fronteiras entre design e arte? O que há em um e não há no outro? Com fatos sociais nítidos observa-se que a arte, mesmo invadindo as ruas e transbordando das galerias, ainda não é presente no ambiente particular do indivíduo de forma tão significativa quanto o design. Claro que o design acessível é pouco carregado de expressão e conceito como a arte, mas com a corrida tecnológica forçada por este meio de consumo e as necessidades básicas cada vez mais supridas, a única coisa que resta ao design como diferencial é trilhar o que a arte fez até agora: expressar e transmitir um conceito, consciente e inconsciente, mas com uma função ainda mais aplicável ao cotidiano do indivíduo do que a arte. O que o design possui a mais é a força de impacto no comportamento humano.

Se a arte leva a um sentimento traduzível ou não, o design leva a algo objetivo em sua função e subjetivo na profunda intenção do designer, que além de solucionar um problema, busca sentimentos semelhantes ao vivenciar uma obra artística. O design, é mais do que criar objetos, é mais do que eliminar problemas, ele pode estar no ambiente mais íntimo e nele ajudar a construir uma situação estética e comportamental que a arte pouco teve acesso. O design insere-se ao ambiente pelo consumo, a arte busca o seu espaço nele, o design cria ambientes habitáveis e a arte cria instalações. Más há um intermediário nestas fronteiras, é quando se busca a arte no design, na ilustração, na arquitetura e na fotografia para aplicar ao cotidiano da vida comum. Vida comum em suas mil faces, cada face desta vasta cultura vê e interpreta de uma forma, e o que há em comum nestas mil faces é que buscam o prazer físico e mental que é padrão ao ser humano. A única variável é a cultura como banco de dados para traduzir os estímulos que causarão o prazer psicológico.

Entender o indivíduo, como consumidor, é o meio de sucesso do design, do qual depende para sobreviver. Há designers que criam peças autorais como uma busca íntima de suprir uma necessidade específica de se imortalizar, a criação não morre, o seu criador sim, sua criação carrega parte de si e essa parte imortaliza-se como um objeto. Essa busca gera um significado superior se comparado ao objeto produzido e podado por limites da encomenda industrial, que por mais expressivo e individual que seja, gera um diferencial atrativo para o consumidor e consequentemente para a indústria. A religião buscava nos artistas a imagem como poder, a indústria busca no designer a imagem como lucro. Neste ambiente capitalista, de acordo com a teoria crítica, tudo é objeto e tudo pode gerar lucro. Consequentemente a tendência consumista cria um ambiente favorável ao design, pela viabilidade produtiva e pelo interesse do indivíduo em comprar produtos acessíveis a sua classe. Por mais baixa a classe social e o nível de informações de uma pessoa, ela conhece as marcas que são boas, os tipos de eletrônicos que gostaria de um dia ter, a casa e o carro idealizados como conquistas. Esse desejo e identificação por um objeto ou estilo de vida, favorece ainda mais o design, porém em parte o limita ao óbvio aparente, e nesse ponto a arte é infinitamente mais livre e não obvia. A função “cadeira” de um objeto é identificada em frações de segundos juntamente com sua cor e forma, mas será que há necessidade de identificar mais além da cadeira? A princípio não, mas é possível analisar algumas peças de design com critérios muito semelhantes ao analisar uma obra de arte. E qual a diferença de significado de uma escultura abstrata com formas, cores e texturas, de um produto de design com formas, cores, texturas e ainda uma função prática? A diferença é que no design pode haver arte, função, produção industrial e aquisição massificada. Mesmo com a possibilidade de cópias de obras de arte a baixo custo, o design, pelo fator econômico, social e comercial, é facilmente mais atrativo pelo caráter da função prática aparente e da consequência de ter um belo objeto ao gosto do usuário.

O indivíduo quando tratado pelo designer é classificado como usuário, justamente porque ele usa aquele produto para um fim prático, de acordo com a função específica desenvolvida pelo designer. Neste critério o designer se apóia para criar a melhor usabilidade possível e assim ter uma democratização na utilização do produto, isso foi nítido no desenvolvimento do computador, que antes era apenas item de um grupo específico engajado. E a arte seguiu o mesmo caminho, não há mais a necessidade de ter informações específicas – obra e artista – há apenas a necessidade de se entregar a sensações, se desapegar da palavra racional e arbitrária. No caso do design, as sensações são tratadas de uma outra forma e o diferencial em muitos casos é agregar a imagem de celebridades e gerar a busca de sensações semelhantes às delas. Mas são sensações equivalentes se analisarmos a arte e o design em alguns aspectos, como exemplo a experiência de visitar uma instalação de arte e fazer um test drive em um automóvel, há uma experiência sensorial de textura, forma, cor, movimento, interatividade, som e odor semelhantes. Como diferenciar? A arte é livre e o design preso aos meios de produção e consumo. Há expressões e conceitos que são melhores traduzidos na arte, não há como viver em ambientes totalmente conceituais, mas na medida que o design, com suas ferramentas, consegue trazer a arte para o cotidiano, expandimos e potencializamos o seu impacto sensorial e conceitual. O mais significativo neste impacto é a intervenção no comportamento, um produto no qual foi aplicado o estudo de design em conjunto com a tecnologia, pode criar um novo comportamento ou alterá-lo radicalmente. Um exemplo prático é o skate que além de mudar o simples fato de andar, ele criou em cima dessa mudança um estilo de vida que gerou um impacto social, no pensamento e no comportamento. Até que ponto o designer tem o controle dessas mudanças? O skate foi inventado por surfistas entediados em épocas que não haviam ondas nas praias da Califórnia, não eram designers mas aplicaram o conceito criativo equivalente e desenvolveram um novo produto cuja a produção industrial foi iniciada a partir de 1965. Desde sua criação e principalmente depois da sua popularização em massa, o skate radicalizou a forma do andar e continua a cativar novos usuários a fim de aderirem a essa forma de vida. É isso que fortalece o design, nele podemos transmitir arte e ao mesmo tempo criar novos estilos de vida, porque o carregamos para onde for. O skate é um exemplo de como o design pode fundir-se ao indivíduo e nele deixar as marcas de um conceito e de uma forma de expressão. A arte é livre e isso lhe dá um grande potencial, mas por outro lado o design, com suas limitações, é absorvido pelo indivíduo que adere a um conceito, que é expresso em um produto e função. Expressão no design é mais do que visual, é funcional, porque na função há um conceito, o qual é expresso por um estudo elaborado e multidisciplinar que gera uma forma, que tem por objetivo, consciente pelo designer ou não, de criar intervenções no pensar e no fazer do indivíduo.

O que um designer deve considerar no projeto é que sua criação exercerá uma influência de comportamento, por mais sutil que seja. Geralmente é muito pequena essa influência, na maioria dos casos apenas na simplificação dinâmica de executar uma tarefa, utensílios de cozinha são um exemplo.

Existe a metodologia de projeto para criação de produtos, mas sempre há variáveis, geralmente no ponto de partida, que gera ramificações nesta metodologia que é ensinada como se fosse um padrão. Um exemplo é o escritório Brav Design, que tem como ponto de partida a brasilidade e simplicidade, nele não é realizada pesquisas com o consumidor para fundamentar escolhas e sim as fundamentam na percepção do designer em relação ao comportamento do indivíduo e da sociedade, e isso é um ponto divergente da metodologia padrão. Henry Ford dizia “Se eu tivesse perguntado a eles o que queriam, eles teriam dito um cavalo mais rápido.”, Ford resumiu o papel do designer em relação à percepção que se deve ter para inovar e assim criar novos comportamentos. O consumidor não sabe o que quer, ele está acostumado com seus hábitos e não visualiza andar sobre um pedaço de madeira com quatro rodas, mas o designer sim, e isso cria mais do que um produto, ele modifica um indivíduo que a partir deste momento pode dizer “eu sou skatista”. O produto neste caso, faz parte da construção individual desta pessoa. A arte não adere à vida desta forma, mas com ela podemos experimentar despreocupadamente, usando-a como laboratório para aplicar novos conceitos ao design, arquitetura, fotografia, teatro e cinema.

O foco, até então, parece ser unicamente o design de produto, mas o design gráfico é abordado da mesma forma, basta mudar o exemplo do skate pelo exemplo do rock´n roll, que é um estilo musical refletido em um estilo visual, que em conjunto interferem no comportamento. Outro exemplo é o mapa do metrô das principais cidades do mundo que, sem escala proporcional com o real, pode guiar o usuário facilmente, e tudo isso facilitado por uma estética visual agradável e simplificada, que é explorada na pintura até hoje – ordem de leitura, peso das cores, ponto de interesse, movimentos gerados pelas formas, entre outros. Neste mapa há um conceito, há princípios da Gestalt, é harmônico, e se eliminarmos qualquer tipo de significado, conservando apenas a sua forma, poderemos analisá-lo como um quadro abstrato. Esta analogia é para gerar uma percepção mais aguçada de como o design pode trazer o belo para o cotidiano, que até então era apenas papel da arte. Um exemplo nítido disto são os cartazes, essa cultura apoiada pela impressão em escala, que ilustram paredes cinzas das cidades, muitos deles com fins comerciais e que equivalem em questão estética a quadros de artistas fixados unicamente em galerias. É a democratização do belo, ele agora se tornou viável, consumível e vivenciável. Um fotógrafo, um ilustrador e um designer podem criar uma revista que tem um apelo estético fortíssimo e comparável a um catálogo de arte. Não há mais fronteiras definidas e sim convergências em que cada profissional é multidisciplinar.

O comportamento humano pode ter origens instintivas e culturais, neste ultimo há uma rica variedade, enquanto no primeiro é algo comum a todos. O design insere-se na cultura, pois é quase onipresente na sociedade, o impacto geográfico é tão grande que qualquer novidade que faça sucesso terá milhares de usuários absorvendo tal conceito proposto pelo designer. A absorção ocasionará hábitos ao usuário que anteriormente não possuía, sendo eles positivos ou negativos. É este o grande papel ativista do designer e cabe a ele ter essa responsabilidade de criar para lucrar e ainda impactar positivamente na sociedade.

Sustentabilidade é a chave para a continuidade e evolução da sociedade. Mas não apenas no caráter ecológico, e sim em todas as suas vertentes. Cabe ao designer, que cria produtos de consumo, buscar sempre a sustentabilidade como pressuposto. Assim, sempre encontrará o percurso certo para criar conceitos e expressões que moldem comportamentos benéficos. Na sustentabilidade não há racismo, preconceito, abuso ou desigualdade, e sim um equilíbrio social de comportamento que gera uniões, para uma evolução conjunta e não fragmentada como é hoje. A arquiteta Lina Bo Bardi buscou a união social, exemplos são o Masp e o SESC Pompéia, neles ela criou espaços de convívio e objetos que estimulassem o agrupamento de pessoas. São nestes pontos que o design pode cooperar para diminuir as distâncias, tão agravadas nos centros urbanos, criar objetos que potencializem atitudes benéficas ou criem novas oportunidades boas de evolução ao ser humano.

No início está o designer com seu conhecimento específico e sua cultura individual, no meio está um conceito e expressão, que é materializado em um objeto, e no fim está o comportamento modificado do usuário, que consumiu este produto por nele acreditar ser bom para si. Para ser bom, basta o designer ser sensível às necessidades reais da sociedade e nelas trabalhar buscando a evolução e equilíbrio.


Bibliografia Consultada

BENJAMIN, W. O Narrador. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1983.
GAZETA ADVENTURE. História do Skate - A invenção do skate e das suas muitas modalidades. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2010.